quarta-feira, 16 de maio de 2012

Os rostos de Oleg Dou

Passo a tarde a rever os prognósticos reservados de Oleg Dou. Dou é um fotósofo russo (fotógrafo + filósofo) que se obstina em retratar a inanição humana, mas de uma perspectiva onde o absurdo não raras vezes beija insidiosamente o rosto de cada um dos retratados, para mais ressaltar o seu comportamento de fábula mórbida e imoral. O artista apresenta-nos uma série de retratos de humanos que sobreviveram com sequelas às sucessivas crises financeiras que desde 2008 varreram o planeta. A grande maioria das pessoas expostas nas obras de Dou sofreu algum tipo de desfiguração (que a imunidade da decência tentou em vão deter ou corrigir) ou revela pequenas mutações que indiciam um sofrimento e uma angústia irreprimíveis. Nos rostos sintomáticos de Dou estão presentes os efeitos da injustiça global sobre a pele e retina, a anemia crepuscular dos vencidos, formas incessantes de albinismo de teor mais ou menos apocalíptico, restos de solenidade débil e soberania, lendas e derrames oculares e outros sinais característicos de todas as síndromes de todos os tipos de desistências adquiridas. Algures, entre a arte circense, o reino da doença e a santidade alienígena, os rostos de Oleg Dou parecem vir do futuro para nos incendiar o presente de altas premonições, olhando directamente para nós como quem olha para antepassados plebeus, ocultando um grito atrás de cada aparente antipatia, como autistas cósmicos ou trágicos entertainers do desespero.

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