segunda-feira, 27 de junho de 2011

Puma Bartolomeu Júpiter



Puma Bartolomeu Júpiter acaba de receber, summa cum laude, a maior ovação da sua vida. É uma torrente eléctrica de mãos na intermitência histérica e sublime dos aplausos, uma plateia antiga que ergue do nada um exército de rostos convencidíssimos e cauterizados, entre o rigor atrófico, a inveja fúnebre e a transpiração, e, como se isso não bastasse, o estertor das palmas das mãos de quem, finalmente, compreende, sofre um verdadeiro ataque de compreensão e fornece, por isso, ao escândalo protocolar, uma dose extra de cinismo e elegante mal-estar.
A tese de Júpiter é aparentemente muito simples: Júpiter provou que o amor dissolve-se no sexo, antes mesmo de lhe tocar. Partiu primeiro e até por intermédio das analogias da ingenuidade do composto fictício de Asimov, a “thiotiomoline”, composto este que se dissolveria em água antes mesmo de lhe tocar, e transferiu as propriedades da “thiotiomoline” para o amor e as da água para o sexo.
À forçosa semelhança de Asimov, Júpiter acreditava que o amor (100% solúvel no sexo) antecipava materialmente a sua solubilidade, porque, é ele que escreve, “há no composto raro do amor um registo espacio-temporal cindido, onde o átomo de carbono cria ligações químicas apaixonadamente reactivas à estabilidade física geral”.
O mundo não teria mudado sem esta tese de Júpiter. A sua invenção foi de tal forma sobrevalorizada, o nome de Júpiter foi tão ouvido e citado, dentro e fora da academia, que tudo se tornou previamente solúvel em tudo, tudo com o seu átomo de carbono instável, tudo com a sua face dupla e miserável, tudo com a sua insurreição temporal.
“Há um momento – pensa Júpiter, esmagado pelos aplausos – há um momento em que alguma coisa me leva a descrer profundamente na espécie humana. É como que se eu não fosse inteiramente solúvel nela e nos seus e nos meus argumentos armados viesse à tona o cadáver louco da sua antecipação.”

sábado, 18 de junho de 2011

The copenhagen kiss



A noite em Copenhaga é infeliz. A língua é áspera de faisões e pesadelos e as duas luas que se vêem daqui não condizem.
Sobra razão e gente demasiadamente submersível, uma inabilidade arqueológica e sincera para sorrir. Copenhaga gravita e navega na intolerância desértica do Norte
e do seu ignóbil declínio. Copenhaga é um navio
um pouco maior do que a sua cópia
de gelo, tripulado pelos fantasmas siameses
do destino. Copenhaga é de compleição tímida,
maioritariamente pálida, indescritivelmente geométrica.
E, ao mesmo tempo,
Copenhaga acompanha bem com um bom vinho
prescindido, vulcões com a disponibilidade do Brasil
em dias de festa,
uma ou outra insubordinação de asas partidas.
Mas é só quando Copenhaga ganha a visita do teu séquito
que eu sou verdadeiramente
infeliz.

sábado, 11 de junho de 2011

Le mal du pays




Às vezes, é só a cabeça de um leopardo doente.
O rancor musical de uma cesta de fruta, à cabeceira.
Um silêncio apócrifo, puro, pouco higiénico até,
a matemática mórbida da chuva contra a inconveniência
que regressa e a saga cega de alguns insectos terrivelmente felizes
pela morte recente do teu sexo,
e do teu peito, satélite natural da armadilha,
onde a manhã apagou mal o seu cigarro desaparecido.
Depois, a calma suja e pulmonar do dia seguinte.
O teu corpo, cheio de espadas e sequelas,
atirado à baba lenta da permanência,
à luz que lhe dá de beber
e que, ao mesmo tempo, aprende lentamente a destituí-lo.
Nove exactos segundos de apneia, para no décimo apenas meio mundo emergir.
Como um país, cuja capital ficara devastada por gritos e agora renascesse
na exausta arquitectura das suas antecedências
o equívoco.